O Código de Processo Civil de 2015 ainda demanda um intenso estudo e verificação de sua aplicação na prática, inclusive de todas as suas modificações e/ou inovações.
Em razão disso, trouxe hoje, nesta contribuição ao Jusbrasil, um dos principais pontos do Código no meu ponto de vista: o saneamento e organização do processo.
1. DISPOSIÇÃO NO CÓDIGO
O saneamento e organização do processo está disposto no Livro I, da Parte Especial do CPC, que trata especificamente do Procedimento Comum e que, por sinal, é dividido em 4 fases: 1) Fase postulatória; 2) Fase Saneadora; 3) Fase Probatória e 4) Fase Decisória.
A 2ª fase, que é o saneamento, somente será necessária caso o Juiz, após a fase postulatória (Petição Inicial, Contestação e Réplica), não consiga extinguir o processo (artigo 354), julgar antecipado o mérito (artigo 355) ou, até mesmo, julgar antecipadamente e parcialmente o mérito (artigo 356). É nesse sentido o que dispõe o caput do artigo 357 do CPC, veja:
Seção IV
Do Saneamento e da Organização do Processo
Art. 357. Não ocorrendo nenhuma das hipóteses deste Capítulo, deverá o juiz, em decisão de saneamento e de organização do processo:
Logo, essa fase processual é importantíssima caso o Estado/Juiz não consiga resolver o processo de plano e, portanto, precise saneá-lo para um melhor deslinde da lide.
2. CPC/15 MODIFICA A REGRA GERAL DE SANEAR O FEITO
Ao contrário do que era disposto no CPC/73, a atual regra geral é que o saneamento seja realizado pelo Juiz de forma unilateral através de uma decisão escrita, abarcando todos os pontos necessários ao deslinde do feito. A exceção é o saneamento compartilhado, nos termos do § 3º do referido artigo¹, em que as partes contribuem com o Juiz para encontrar a solução de todos os incisos do referido artigo, ressaltando a necessidade de já levar o rol de testemunhas, sob pena de preclusão (§ 5º do artigo 357 do CPC).
3. FINALIDADE DO SANEAMENTO
Os próprios incisos do artigo 357, por sua vez, explicam exatamente qual é a finalidade do saneamento e organização do processo. Veja:
Art. 357. (…)
I - resolver as questões processuais pendentes, se houver;
II - delimitar as questões de fato sobre as quais recairá a atividade probatória, especificando os meios de prova admitidos;
III - definir a distribuição do ônus da prova, observado o art.373333;
IV - delimitar as questões de direito relevantes para a decisão do mérito;
V - designar, se necessário, audiência de instrução e julgamento.
Como se vê, o inciso I tem a função de sanar qualquer irregularidade; o inciso II de fixar os pontos controvertidos, ou seja, os pontos que demandam a produção probatória e, desde já, especificar quais são as provas necessárias.
O inciso III traz novidades do CPC/15 que é a positivação do entendimento consolidado do c. STJ de que a distribuição do ônus probatório deve ser verificada e eventualmente modificada, conforme dispõe o artigo 373, na fase de saneamento.
Atenção: esse é único inciso do artigo aqui em estudo (Art. 357) que é cabível a interposição do agravo de instrumento, conforme dispõe o artigo 1.015, inciso XI, do CPC.
Quanto aos demais incisos (I, II, IV e V), caberá somente o pedido de esclarecimento e/ou ajustes no prazo de 5 dias após a decisão (§ 1º do artigo 357 CPC) e através de preliminar de apelação (§ 1º do artigo 1.009 CPC).
Prosseguindo, o inciso IV também é uma inovação do CPC/15, vez que o Juiz deverá delimitar as questões de direito. Esse ponto é delimitado apenas para “sinalizar às partes quais as questões de direito que serão essenciais para a prolação da decisão de mérito, evitando-se assim que as partes percam seu tempo e energia com discussões jurídicas inúteis”².
Por fim, o inciso V, que dispõe que o Juiz designará audiência de instrução e julgamento caso seja necessário para a produção das provas orais, complementando, portanto, o inciso II.
4. REFLEXÃO SOBRE A IMPORTÂNCIA DO SANEAMENTO
Diante de toda a exposição acima, é facilmente perceptível a importância e necessidade de um bom saneamento para facilitar o trabalho do Juiz, para uma maior leitura do processo como um todo pelas partes (leia-se advogados) e, inclusive, para efetivação de vários princípios processuais. Veja alguns:
Princípio da duração razoável do processo: um bom saneamento evita nulidades, produções de provas inúteis, discussão jurídicas desnecessárias, etc.;
Princípio da vedação a decisão surpresa: apesar de não obrigar o juiz, a delimitação das questões de direito contribui para que não surja uma decisão surpresa;
Princípio do contraditório e ampla defesa: a clara fixação dos pontos controvertidos contribui para um efetivo contraditório e ampla defesa;
Princípio da cooperação: conforme dispõe o § 3º do artigo 357, caso a causa seja complexa, o juiz poderá designar a audiência saneadora, em que todas as partes cooperam para resolver todos os pontos do saneamento. Além disso, há a possibilidade das partes, com homologação do juiz, consensualmente definirem as questões de fato e de direito, nos termos do § 2º³ do artigo 357.
Conclui-se, portanto, que a fase de saneamento e organização do processo é importantíssima para o deslinde do feito e inclusive é o momento em que os operadores do direito, especificamente os advogados, podem traçar melhor as suas estratégias e visualizar o que acontecerá no processo, inclusive, preparando, desde já, uma preliminar em Apelação ou, até mesmo, preparando o processo para um eventual Recurso Especial e/ou Extraordinário.
Marcelo Pacheco de Brito Júnior é advogado associado do escritório Hilário Vaz e Branquinho Advogados Associados. É associado do IEAD e coordenador do núcleo de Direito Processual Civil. Seu e-mail é marcelopacheco@hvb.adv.br e pode ser encontrado no Facebook como Marcelo Pacheco e no Instagram como @mpbritojr.
¹ Art. 357. (…) § 3o Se a causa apresentar complexidade em matéria de fato ou de direito, deverá o juiz designar audiência para que o saneamento seja feito em cooperação com as partes, oportunidade em que o juiz, se for o caso, convidará as partes a integrar ou esclarecer suas alegações.
² NEVES, Daniel Amorim. Manual de Direito Processual Civil – Volume único. 8ª edição. Salvador: Editora Juspodivm, 2016, p. 628.
³ § 2º As partes podem apresentar ao juiz, para homologação, delimitação consensual das questões de fato e de direito a que se referem os incisos II e IV, a qual, se homologada, vincula as partes e o juiz.