O Código de Processo Civil de 2015 superou vários entendimentos já consolidados no ordenamento jurídico brasileiro, inclusive no c. Superior Tribunal de Justiça.
Um deles, que será tratado neste artigo, é a expressa vedação do parcelamento do débito no cumprimento de sentença, nos termos do § 7º do artigo 916 do referido diploma. Veja o que dispõe o artigo:
Art. 916. No prazo para embargos, reconhecendo o crédito do exequente e comprovando o depósito de trinta por cento do valor em execução, acrescido de custas e de honorários de advogado, o executado poderá requerer que lhe seja permitido pagar o restante em até 6 (seis) parcelas mensais, acrescidas de correção monetária e de juros de um por cento ao mês.
(…)
§ 7º O disposto neste artigo não se aplica ao cumprimento da sentença.
Não há dúvida da impossibilidade de aplicação do parcelamento no cumprimento de sentença pela simples análise do § 7º do artigo 916 do CPC/15, que reflete a superação da interpretação dada ao antigo 745-A do CPC/73.
SUPERAÇÃO DE ENTENDIMENTO
Interpretação extensiva do art. 754-A do CPC/73 pelo c. STJ foi superada pelo § 7º do 916 do CPC/15.
O artigo 745-A do CPC de 1973 tratava do parcelamento na execução e era omisso quanto a possibilidade de aplicá-lo também no cumprimento de sentença.
Diante da omissão, coube ao c. STJ, que é responsável pela interpretação final das leis infraconstitucionais, dizer que seria SIM possível o parcelamento do débito também no cumprimento de sentença. Veja um julgado, dentre vários[1], que confirma, à época, essa interpretação:
PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PARCELAMENTO DO VALOR EXEQUENDO. APLICAÇÃO DO ART. 745-A DO CPC. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA EFETIVIDADE PROCESSUAL. ART. 475-R DO CPC. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA. HIPÓTESE DE PAGAMENTO ESPONTÂNEO DO DÉBITO. NÃO INCIDÊNCIA DA MULTA PREVISTA NO ART. 475-J, § 4º, DO CPC. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. DESCABIMENTO ANTE O CUMPRIMENTO ESPONTÂNEO DA OBRIGAÇÃO VEICULADA NA SENTENÇA. PRINCÍPIO DA NON REFORMATIO IN PEJUS. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 165, 458 E 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA.
2. (…) Portanto, o parcelamento da dívida pode ser requerido também na fase de cumprimento da sentença, dentro do prazo de 15 dias previsto no art. 475-J, caput, do CPC
3. Não obstante, o parcelamento da dívida não é direito potestativo do devedor, cabendo ao credor impugná-lo, desde que apresente motivo justo e de forma fundamentada, sendo certo que o juiz poderá deferir o parcelamento se verificar atitude abusiva do exequente, uma vez que tal proposta é-lhe bastante vantajosa, a partir do momento em que poderá levantar imediatamente o depósito relativo aos 30% do valor exequendo e, ainda, em caso de inadimplemento, executar a diferença, haja vista que as parcelas subsequentes são automaticamente antecipadas e é inexistente a possibilidade de impugnação pelo devedor, nos termos dos §§ 2º e 3º do art. 745-A. (…)
7. Recurso especial não provido.
(REsp 1264272/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 2012-05-15, DJe 2012-06-22)
Veja que a possibilidade de parcelamento no cumprimento de sentença pelo antigo CPC estava consolidada. Entretanto, como dito acima, tal possibilidade foi expressamente superada pelo CPC/15 e já está sendo aplicada nos Tribunais. Veja um exemplo:
Agravo de instrumento. Cumprimento de sentença. Pedido de parcelamento deferido. Art. 916 do CPC/2015. Regra aplicável para procedimento distinto (execução de título extrajudicial). Incompatibilidade com as regras do cumprimento de sentença. Inteligência do art. 916, § 7º, do CPC/2015. Recurso provido. O artigo 916, § 7º, do CPC/15 é expresso sobre o não cabimento do parcelamento da obrigação de pagar no cumprimento de sentença.
(TJSP; Agravo de Instrumento 2080775-41.2018.8.26.0000; Relator Kioitsi Chicuta; Órgão Julgador: 32ª Câmara de Direito Privado; Foro de Limeira - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 20.6.2018)
EXCEÇÃO – VEDAÇÃO NÃO IMPEDE O PARCELAMENTO EM CASO DE CONCORDÂNCIA DO CREDOR
Ainda que o CPC/15 proíba o parcelamento do débito no cumprimento de sentença, nada impede a sua realização caso o credor concorde.
Aliás, tal possibilidade nada mais é que uma transação realizada no decorrer de um processo judicial que, por sinal, pode ser realizada a qualquer tempo.
Esse também é o entendimento do doutrinador Daniel Amorim Assumpção Neves[2], veja:
De qualquer forma, admissível será um acordo no cumprimento de sentença, nos moldes do artigo 916 do Novo CPC, ao menos no tocante às condições de pagamento, mas nesse caso não haverá uma moratória legal, mas uma mera transação a respeito da forma de pagamento da dívida.
Inclusive, inúmeros julgados já privilegiam essa possibilidade. Veja um exemplo:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO EM FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. PARCELAMENTO DO DÉBITO. FALTA DE PREVISÃO LEGAL. POSSIBILIDADE ANTE A ANUÊNCIA DO CREDOR. A lei é clara ao dispor sobre a vedação ao parcelamento do débito em fase de cumprimento de sentença (art. 916, § 7º, CPC), o que poderá ser admitido em caso de anuência do credor, considerando que a execução se processa, sempre, conforme o seu interesse. RECURSO DESPROVIDO. (TJGO, Agravo 5216365-44.2017.8.09.0000, Rel. CARLOS HIPOLITO ESCHER, 4ª Câmara Cível, julgado em 1.9.2017)
Como se vê, essa possibilidade privilegia o princípio da cooperação processual, da duração razoável do processo e da economia processual, pois é nítido que o processo pode demorar muito mais que 6 (seis) meses mesmo já na fase do cumprimento de sentença.
CONCLUSÃO
A inafastável conclusão do tema, diante de tudo aqui exposto, é que somente é aceito o parcelamento do débito em execuções, sendo expressamente vedado no cumprimento de sentença. Porém, nada obsta a sua concretização caso o credor aceite a proposta realizada pelo devedor.
Marcelo Pacheco de Brito Júnior é advogado inscrito na OAB/GO 46.250. Graduado pela PUC/GO e Pós-Graduado em Direito Processual Civil pelo Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP. Coordenador do Núcleo de Processo Civil do IEAD. Associado do Escritório Hilário Vaz e Branquinho Advogados Associados (http://www.hvb.adv.br/).
E-mail: marcelopacheco@hvb.adv.br
AgRg no REsp 1375092/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 2015-09-22, DJe 2015-10-09; REsp 1194020/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 2014-08-07, DJe 2014-08-25, dentre outros. ?
NEVES, Daniel Amorim. Manual de Direito Processual Civil – Volume único. 8ª edição. Salvador: Editora Juspodivm, 2016, p. 1157. ?